sábado, 13 de outubro de 2012

Relato do Parto

Assim que soubemos da gravidez começamos a falar sobre parto domiciliar. A razão inicial era ter um filho realmente luizense, já que aqui em São Luiz do Paraitinga nunca existiu maternidade e os bebês que nascem aqui são porque não deu tempo de transferir a parturiente para Taubaté, Pinda ou Tremembé, ou, como no meu caso, forja-se o nascimento domiciliar para registrar como luizense (há 26 anos isso era possível, hoje acho que já não dá mais!). Outro fator fundamental na nossa decisão era a concepção de que hospital é lugar de doença e morte, não de nascimento! E o mais fantástico é que eu e o Mau concordávamos em tudo... Eu sempre tinha um pouquinho de pé atrás para argumentar, mas assim que iniciava o tema, ele antevia meus motivos e falava as palavras nas quais eu estava pensando; sempre fechando as conversas com a frase "O que você decidir, eu apoio! Estamos juntos!". Mas, mais do que apoiar, nós compartilhamos dos mesmos ideais e conceitos, o que tornou minha escolha muito mais fundamentada. Falei com o médico do pré-natal da minha vontade de ter meu bebê em casa já na primeira consulta e ele, que apesar de não ser obstetra trabalhou muitos anos fazendo parto de índias na aldeia de Ubatuba, disse que acredita nos benefícios mas que não apoiaria minha decisão. Por obra do destino, meu pré-natal foi acompanhado por dois profissionais: este médico, que é gente boa, apesar de parecer o contrário neste breve comentário acima, e a enfermeira obstetra Patrícia, ambos do PSF daqui de São Luiz. Gente, a Patrícia é um anjo! Me tratou tão bem durante todo o pré-natal, deu atenção para as minhas pequenas pirações de gestante, ouviu minhas carências quando elas batiam e se alegrou cada vez que ouviu o coração do meu bebê batendo, com cada resultado de ultrassom que levei até ela, com a descoberta de que se tratava de uma menina, com a escolha do nome... Enfim, não foi só um envolvimento profissional, ela curtiu comigo toda a gestação!!! E foi ela que me indicou qual caminho percorrer para conseguir realizar meu desejo de parir em casa! Numa consulta eu disse a ela do meu plano e nós começamos a pensar em como fazê-lo virar realidade, na consulta seguinte ela me trouxe o telefone e email da Kátia, dizendo que em São José dos Campos havia um pessoal que poderia me informar e talvez até mesmo me acompanhar no parto. Assim que cheguei em casa enviei um email para a Kátia, que me respondeu dias depois indicando as Rodas Bebedubem, o blog e me parabenizando pela minha escolha. Mas eu estava ainda na 13ª semana de gestação e a atenção dela não passou muito disso! Li o blog e comecei a me informar sobre parto humanizado, li os relatos das mulheres que haviam passado pela experiência e me emocionei muito com cada linha que lia, aumentando minha vontade de viver a experiência da maternidade na minha casa, com as pessoas escolhidas por mim ao meu redor, respeitando meu tempo e minhas vontades! Fui até São José participar de uma roda, mas não gostei muito do primeiro contato... Havia muita gente presente no dia, muitas crianças desviando a atenção da conversa, me sentia inibida com os barrigões adiantados das outras gestantes, enquanto a minha barriguinha ainda era quase imperceptível... Enfim, não consegui espaço para falar e voltei para casa um pouco frustrada, achando que precisaria mudar meus planos por falta de apoio profissional. Mas a ideia de ir ao hospital me deixava muito incomodada e eu persisti com o pessoal de São José! Fui mais um dia na roda e nesta segunda vez tudo foi diferente! Minha barriga já se fazia notar de longe, tinha menos gente no encontro, as crianças estavam mais contidas e a Kátia estava presente!!! Consegui me apresentar para ela e nós conversamos pessoalmente, marcamos dela vir me visitar e de pronto senti uma afinidade entre nós! Dias depois, a Kátia e a Patrícia (a segunda Patrícia deste relato!) vieram até São Luiz e ficaram um tempão na minha casa! Foi muito bom perceber o envolvimento que elas têm com o trabalho que exercem, pois a relação que precisa existir entre a parturiente e quem a acompanha não pode ser meramente profissional, fria e branca, como um jaleco! Nesta visita consegui falar sobre valores, pois o Mau e eu tinhamos colocado um teto para o parto. Estamos começando e dinheiro é um ponto fraco, pois somos bem desorganizados com isso! Se passasse deste teto, faríamos o parto no hospital público mesmo... E passou um pouquinho, mas a gente achou que valia a pena gastar mais do que o planejado e garantir a integridade emocional neste momento, que pode ser lindo ou traumático, como eu já havia apurado através dos relatos aos quais tive acesso. Bom, tudo decidido então! Valores conversados, forma de pagamento combinada, endereço confirmado, tempo de deslocamento calculado, plano B planejado e leituras e exercícios indicados! Tudo para otimizar o parto! Neste momento eu já estava com mais de 30 semanas de gestação! Tive uma gestação tranquila, nem mesmo infecção urinária, tão comum entre as gestantes, eu tive! Me exercitei durante todo o tempo, nada muito radical, mas andava muito, fazia tudo a pé. Levei minha vida de sempre, trabalhando, estudando, viajando, saindo a noite, indo a praia, a cachoeira, comendo bem, mas sem engordar muito! Um dia, perto desta primeira visita, a Kátia me falou de uma menina daqui de São Luiz que acabara de se formar Obstetriz e que as procurou na Roda e, que ao falarem de mim para ela, ela disse me conhecer. De cara não soube quem era, mas assim que nos falamos por email o mistério de desfez e ganhei mais um anjo da guarda, este com um nome referência para o momento: Natália! Tem nome melhor para alguém que escolheu para sua vida auxiliar as mulheres a trazerem vida ao mundo!? A Natália tem ótimas ideias para a nossa cidade e está com todo aquele ímpeto de recém formado. De cara ela começou um grupo de discussão semelhente ao Bebedubem aqui em São Luiz e se dispos a me auxiliar no que fosse necessário! Me emprestou livros, DVDs, me visitou e tirou algumas dúvidas que iam aparecendo pelo caminho. O combinado entre nós todas, Patrícia, Kátia, Natália e eu, era que assim que eu entrasse em trabalho de parto acionaria a todas e que a Natália viria para minha casa, me monitorar enquanto as duas se deslocavam até aqui. Mas, é claro, que no dia tudo aconteceu do seu jeito próprio!!! Não chamei doula porque, além de já ter muita gente envolvida no processo, preferimos poupar esta grana. Escolhi minha mãe para me acompanhar pois, quem melhor do que aquela velhinha sacudida para estar ao meu lado na hora de trazer minha filha ao mundo!? Time formado: Kátia, Patrícia, Natália, minha mãe e o Mau! Era esta a escalação. Os dias que antecedem o parto parecem ter mais de 24 horas, é impressionante como a natureza é perfeita! Estar grávida é uma delícia, uma sensação de plenitude, as atenções voltadas para você, seu bebê vivendo você... Mas quando a hora se aproxima, fica tão ruim estar grávida! Você começa a querer que a fase termine, quer ver logo a carinha do filhote, voltar a dormir de bruços, parar de fazer xixi a cada 20 minutos, parar de ter queimação... Ou seja, seu psicológico se prepara para a nova fase, para por para fora o serzinho que está ali e que começa a não caber mais no seu ventre. Então, quando parece que você não vai mais aguentar ser uma grávida, chegou a hora! Meu trabalho de parto começou com uma limpeza do meu organismo. Tive uma dor de barriga de noite e fiz muito cocô, parecia que tudo se retorcia dentro de mim e que não sobrou sujeira nenhuma nas minhas entranhas. Fui dormir e as 2h acordei com a calcinha molhada e pensei "que droga, já não seguro mais o xixi mesmo!". Levantei, fiz xixi e já não encontrei mais posição na cama. Avisei o Mau "acho que começou! Vamos dormir porque precisaremos de muita energia!". Mas quem disse que consegui! O Mau me falou para entrar no chuveiro e foi o que fiz. Fiquei lá por um tempo que já não sabia se era muito ou pouco, pois perdi completamente a noção. Quando desliguei o chuveiro e voltei para o quarto, ele queria que ligasse para as meninas de São José, já que a Natália não estava aqui em São Luiz neste dia. Mas eu queria esperar e ligar primeiro para a minha mãe. Mandei mensagem para a Kátia e a Patrícia, mas na sequência resolvi ligar. Isso era mais ou menos 4h. Meia hora depois liguei pra minha mãe e voltei para o chuveiro, pois na cama não conseguia posição nenhuma que me fosse confortável, sem contar as ondas de calor e de frio que se sucediam e eu me cobria e descobria várias vezes por minuto. No chuveiro, com a água morna caindo sobre mim, isto ficava menos evidente! As 6h a Patrícia chegou, as 7h foi minha mãe e pronto, estava aqui o time todo, já que a Natália e a Kátia não poderiam participar do meu parto. E dá-lhe a esquentar água para encher a banheira!!! E como eu queria a banheira cheia!!! Era a única coisa que eu queria... Não queria olhar na cara de ninguém, não queria que ninguém encostasse em mim, durante uma contração então! Briguei com os três! "Não encosta na minha barriga!" Eu dizia, aliás, gritava! Fiquei durante todo o processo andando entre o banheiro e o quarto, tentando deitar e voltando para o chuveiro, pedindo para que a banheira ficasse pronta logo! No único toque que a Patrícia me fez, estava com três dedos de dilatação e ela achou até bom a banheira ainda não estar pronta, porque a banheira só auxilia quando a dilatação já está adiantada. As 8h a banheira ficou pronta e eu mergulhei nela! Depois os três riram de mim devido ao modo como me joguei na água; segundo minha mãe eu parecia uma baleia parindo, de tanto que me mexia na água! Depois disto, eu me lembro de afundar a cabeça na água, como se estivesse boiando, e dizer para a Patrícia: "Não estou ouvindo nada... Pode falar, mas eu não estou escutando..." Dizem que neste momento eu estava na tal da Partolândia! Daí até a hora do nascimento se passaram duas horas, rápido até para o primeiro parto. Esta fase é um pouco mais fácil, pois as contrações são mais espaçadas e dá para relaxar entre elas. Eu respirava fundo, vocalizava o tempo todo e mentalizava meu corpo se abrindo. Chamava minha filhinha e pedia que ela contribuísse para que as coisas acontecessem no tempo certo e no ritmo escolhido por ela. Não parei de me mexer, o que facilitou a descida e fez com que eu não tivesse nada de laceração!!! Foi ótimo perceber meu corpo se abrindo, minha filha chegando, meu marido me apoiando, física e emocionalmente, dizendo: "ela está aí! Nossa filhinha já está aparecendo!". A Patrícia e minha mãe também me incentivavam e a Alice chegou! Para isto acontecer, eu levantei da banheira, fiquei de cócoras sustentada, segurando nas mãos do Mau, e a Patrícia amparou minha filhinha neste mundo, enquanto minha mãe fotografava tudo!!! Temos registrado momento a momento da chegada da Alice! Já com a pequena nos meus braços, o Mau entrou na banheira com a gente e cortou o cordão! A Alice mamou assim que se aproximou do meu seio! Foi tão prazeroso sentir o filhote sugando e meu corpo produzindo seu alimento!!! Depois disto, passamos para a cama, a Alice foi vestida com uma roupinha amarela especialmente escolhida para o momento (se bem que quando nós a ganhamos a instrução era: "esta é para sair do hospital!" rsrs...) e ficamos nos namorando um tempo... Eu recuperei minhas forças, me alimentei, dormi um pouco enquanto o Mau ficava com nossa filha enroscada na sua barba. Daí, mulheres, passei para o segundo o parto do dia! É isto mesmo: coisa que ninguém fala, que não está nas literaturas... a expulsão da placenta!!! É um segundo parto! Não é fácil, porque eu não estava preparada para isto. Sei lá o que eu pensava, mas nunca achei que tivesse que voltar a fazer força para que a placenta saísse! E quando eu começava a fazer força, sentia medo da dor e a placenta voltava... Foi difícil e depois de horas eu consegui expelir, só com minha força, já que não tive mais contrações e não aceitei a aplicação de ocitocina! Aliás, só com minha força e sem contração não é bem verdade. O parto domiciliar guarda mais surpresas do que o parto hospitalar. Enquanto eu ainda estava em trabalho de parto, esperando a placenta, a Mimi, uma amiga querida, chegou com seu filhote, o Martim, então com três meses e meio, para uma visita e trazia com ela a imagem da Nossa Senhora do Bom Parto! Foi tão importante a chegada desta santinha, pois minha mãe estava nervosa com a demora da placenta e seu nervosismo estava me atingindo. Quando a imagem chegou, minha mãe estava fazendo uma oração e entrou no meu quarto com lágrimas nos olhos e a santinha nas mãos. Foi lindo! Junto a isso chegou uma onda de paz e eu senti uma contração, uma única, mas que me fez acreditar que consguiria concluir o processo e poder finalmente me aconchegar com minha família nos braços. Saí da cama, fiquei de cócoras no chão do quarto, o Mau sentado na nossa cama com a Alice nos braços, esticou as pernas e eu segurei nos seus pés e a mesma força que fiz para que a Alice nascesse eu fiz, com o apoio dele, para expelir a placenta... Então, horas depois, trabalho concluído, tomei um banho e sentei na sala para conversar com a visita, que veio trazer a força que faltava!!!

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